19º Congresso do Departamento de Pressão Arterial da SBC

Dados do Trabalho


Título

Hipertensão arterial sistêmica devido disfunção do sistema nervoso autônomo como manifestação potencialmente fatal da síndrome neuroléptica maligna por clozapina - um relato de caso

Introdução e/ou Fundamento

O mecanismo de ação da maioria dos antipsicóticos caracteriza-se pelo bloqueio pós-sináptico dos receptores D2 em território cerebral. Uma afinidade menor pelos receptores D2 e maior pelos receptores serotoninérgicos, noradrenérgicos, histaminérgicos e colinérgicos, onde atuam como antagonistas, caracteriza um antipsicótico atípico. A clozapina, o protótipo desses agentes, teve sua ação descoberta ao melhorar os quadros de delírios e alucinações em pacientes que não respondiam a outros medicamentos antipsicóticos. No entanto, uma série de efeitos colaterais também podem ser observados com o uso da medicação, incluindo distonias, parkinsonismo e discinesia até eventos potencialmente fatais, como a síndrome neuroléptica maligna (SNM), que consiste em uma complicação idiossincrática associada à administração de agentes antipsicóticos ou suspensão abrupta dos mesmos e de outros fármacos por bloqueio dos receptores dopaminérgicos nos gânglios da base.
Clinicamente, a SNM pode ser caracterizada por rigidez muscular acentuada, flutuações do nível de consciência, mudança no estado mental e disautonomia, incluindo hipertermia, taquicardia e hipertensão arterial ou labilidade pressórica. Alguns consensos sobre os critérios diagnósticos incluem a elevação da pressão arterial sistólica ou diastólica em 25% acima dos valores basais ou flutuação da pressão arterial com alteração diastólica ≥ 20 mmHg ou sistólica ≥ 25 mmHg. A disfunção autonômica é um componente importante da SNM e é causada pela elevação das catecolaminas. A hiperatividade do sistema nervoso simpático é responsável por muitas das características clínicas da SNM, sendo principal responsável pela hipertensão arterial sistêmica na apresentação da síndrome. A dependência entre a parte neuronal e adrenal do sistema nervoso simpático e os diferentes efeitos da epinefrina e norepinefrina nos receptores adrenérgicos contribuem para o curso imprevisível e às flutuações clínicas que caracterizam a síndrome. Considerando a importância correta do reconhecimento do quadro para tratamento do mesmo, o objetivo desse estudo é relatar um caso de hipertensão arterial sistêmica como manifestação potencialmente fatal síndrome neuroléptica maligna devido administração de antipsicótico atípico.

Métodos

Trata-se de um relato de caso, observacional, de aspecto descritivo. As informações foram obtidas por meio de revisão de prontuário eletrônico e entrevista com o paciente e familiares

Resultados

Paciente de 41 anos, do sexo masculino, com diagnóstico de esquizofrenia desde os 21 anos, em uso de antipsicóticos desde então. Segundo familiares, cerca de 4 meses antes de sua admissão hospitalar, ele começou apresentar sinais de descompensação da doença psiquiátrica, sendo administrado ao paciente altas doses de clozapina na ocasião e encaminhado a um hospital psiquiátrico, onde fora reintroduzido todas suas medicações de uso contínuo, dentre elas clozapina e administrada uma ampola de Haldol Decanoato via intramuscular. Um dia após, iniciou quadro de febre, hipertensão, taquicardia, rigidez muscular. Os familiares então comunicaram a equipe médica que, na verdade, o paciente não estava fazendo uso regular de suas medicações em casa. A partir daí, foi aventada a hipótese de síndrome neuroleptica maligna (SNM) pela introdução de antipsicóticos de forma abrupta, sendo o paciente encaminhado para hospital de alta complexidade. No primeiro dia de sua admissão no serviço terciário, o paciente apresentou hipertensão arterial estágio 3, com níveis tensionais de 181x120 mmHg, FC de 120bpm e rigidez muscular. Realizado exames laboratoriais, tomografia de crânio, coleta de líquido cefalorraquidiano, sendo excluídas causas infecto-metabólicas que justificassem tais alterações, corroborando a hipótese de SNM. O paciente foi tratado com benzodiazepínicos, hidratação endovenosa e encaminhado à leito de terapia intensiva para monitorização, inclusive com necessidade de vasodilatadores endovenosos para manejo pressórico, apresentando boa resposta. Durante sua internação, o mesmo fora acompanhado pela equipe de psiquiatria, que orientou reintrodução parcimoniosa de clozapina após estabilização do quadro orgânico, por ser uma droga considerada potencialmente segura e pela maior probabilidade de o quadro ter sido causado pelo haldol. Apesar disso, o paciente não tolerou a progressão das doses, voltando a apresentar aumento de níveis pressóricos, episódios de taquicardia e hipertermia, sendo optado por suspensão de todas as medicações potencialmente causadoras do quadro e introdução de beta-bloqueador para controle dos sintomas adrenérgicos. Com a suspensão dos antipsicóticos, o paciente voltou a apresentar bons níveis pressóricos, normalização da frequência cardíaca e normalização da temperatura, com remissão do quadro de disautonomia, porém ainda apresentando sintomas de descompensação psiquiátrica, sendo encaminhado para hospital psiquiátrico para tratamento da esquizofrenia considerando a introdução de terapias alternativas para o paciente, como a eletroconvulsoterapia.

Conclusões

O manejo dos pacientes com SNM é baseado em terapia de suporte. Quando as manifestações são graves, é necessário monitoramento em unidade de terapia intensiva. Algumas complicações graves da SNM incluem arritmias cardíacas, desidratação, insuficiência renal aguda, distúrbios hidroeletrolíticos, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial sistêmica, entre outras. A remoção do agente causador é considerada o tratamento mais importante. Alguns medicamentos específicos podem ser usados, como agentes colinérgicos (bromocriptina e amantadina), bloqueador neuromuscular (dantrolene) e benzodiazepínicos. Várias medicações têm sido utilizadas para controle das disfunções autonômicas. Pacientes com pressão arterial acentuadamente elevada podem ter benefícios com algumas medicações. A clonidina, ao agir em receptores adrenérgicos alfa-2 no sistema nervoso central, atua na diminuição da pressão arterial, produz sedação e diminui a atividade motora espontânea, podendo ser eficaz nesse cenário.
O presente estudo é de suma importância visto que a SNM é uma condição rara (0,01 à 0,02%) com elevada mortalidade quando não diagnosticada, pois para manejo adequado do quadro torna-se mandatório a suspensão do agente causador. Os antipsicóticos atípicos são considerados agentes potencialmente seguros, mas devem ser lembrados como etiologia do quadro, de forma mais rara. A mortalidade na síndrome está relacionada à disfunção do sistema nervoso autônomo, que pode gerar manifestações orgânicas graves, como a hipertensão arterial estágio 3 apresentada pelo paciente, cursando com risco aumentado de lesão de órgão alvo, podendo, em casos semelhantes, ser necessário uso de anti-hipertensivos endovenosos e manejo em leito de terapia intensiva.

Referências:

Souza RA, Silva MA, Coelho DM. Síndrome Neuroléptica Maligna. Revista Brasileira de Clínica Médica. 2012;10(5):440-44

Campos Júnior, R., Colombari, E., Cravo, S.,& Lopes, O. U. (2001). Hipertensão arterial: o que tem a dizer o sistema nervoso. Revista Brasileira de Hipertensão, 8(1), 41-54

Moscovich M, Nóvak F, Fernandes A. Neuroleptic Malignant Syndrome. Archive of Neuropsychiatry. 2011;69(5):751-755

Gurrera RJ, Chang SS, Romero JA. A comparison of diagnostic criteria for neuroleptic malignant syndrome. J Clin Psychiatry. 1992 Feb;53(2):56-62. PMID: 1347292

Kaplan H, Sadock B. Síndrome Neuroléptica Maligna. 6th ed. Tratado de psiquiatria: Artmed; 1999. 2 vol.

Área

Clínica Médica

Categoria

Relato de caso

Autores

Thainá Perassolo Martinez, Guilherme Martins Tahan, Rafaela Geroza Coelho Goiato, Patricia Silva De Marco