Dados do Trabalho
Título
Hipertensão arterial sistêmica devido disfunção do sistema nervoso autônomo como manifestação potencialmente fatal da síndrome neuroléptica maligna por clozapina - um relato de caso
Introdução e/ou Fundamento
O mecanismo de ação da maioria dos antipsicóticos caracteriza-se pelo bloqueio pós-sináptico dos receptores D2 em território cerebral. Uma afinidade menor pelos receptores D2 e maior pelos receptores serotoninérgicos, noradrenérgicos, histaminérgicos e colinérgicos, onde atuam como antagonistas, caracteriza um antipsicótico atípico. A clozapina, o protótipo desses agentes, teve sua ação descoberta ao melhorar os quadros de delírios e alucinações em pacientes que não respondiam a outros medicamentos antipsicóticos. No entanto, uma série de efeitos colaterais também podem ser observados com o uso da medicação, incluindo distonias, parkinsonismo e discinesia até eventos potencialmente fatais, como a síndrome neuroléptica maligna (SNM), que consiste em uma complicação idiossincrática associada à administração de agentes antipsicóticos ou suspensão abrupta dos mesmos e de outros fármacos por bloqueio dos receptores dopaminérgicos nos gânglios da base.
Clinicamente, a SNM pode ser caracterizada por rigidez muscular acentuada, flutuações do nível de consciência, mudança no estado mental e disautonomia, incluindo hipertermia, taquicardia e hipertensão arterial ou labilidade pressórica. Alguns consensos sobre os critérios diagnósticos incluem a elevação da pressão arterial sistólica ou diastólica em 25% acima dos valores basais ou flutuação da pressão arterial com alteração diastólica ≥ 20 mmHg ou sistólica ≥ 25 mmHg. A disfunção autonômica é um componente importante da SNM e é causada pela elevação das catecolaminas. A hiperatividade do sistema nervoso simpático é responsável por muitas das características clínicas da SNM, sendo principal responsável pela hipertensão arterial sistêmica na apresentação da síndrome. A dependência entre a parte neuronal e adrenal do sistema nervoso simpático e os diferentes efeitos da epinefrina e norepinefrina nos receptores adrenérgicos contribuem para o curso imprevisível e às flutuações clínicas que caracterizam a síndrome. Considerando a importância correta do reconhecimento do quadro para tratamento do mesmo, o objetivo desse estudo é relatar um caso de hipertensão arterial sistêmica como manifestação potencialmente fatal síndrome neuroléptica maligna devido administração de antipsicótico atípico.
Métodos
Trata-se de um relato de caso, observacional, de aspecto descritivo. As informações foram obtidas por meio de revisão de prontuário eletrônico e entrevista com o paciente e familiares
Resultados
Paciente de 41 anos, do sexo masculino, com diagnóstico de esquizofrenia desde os 21 anos, em uso de antipsicóticos desde então. Segundo familiares, cerca de 4 meses antes de sua admissão hospitalar, ele começou apresentar sinais de descompensação da doença psiquiátrica, sendo administrado ao paciente altas doses de clozapina na ocasião e encaminhado a um hospital psiquiátrico, onde fora reintroduzido todas suas medicações de uso contínuo, dentre elas clozapina e administrada uma ampola de Haldol Decanoato via intramuscular. Um dia após, iniciou quadro de febre, hipertensão, taquicardia, rigidez muscular. Os familiares então comunicaram a equipe médica que, na verdade, o paciente não estava fazendo uso regular de suas medicações em casa. A partir daí, foi aventada a hipótese de síndrome neuroleptica maligna (SNM) pela introdução de antipsicóticos de forma abrupta, sendo o paciente encaminhado para hospital de alta complexidade. No primeiro dia de sua admissão no serviço terciário, o paciente apresentou hipertensão arterial estágio 3, com níveis tensionais de 181x120 mmHg, FC de 120bpm e rigidez muscular. Realizado exames laboratoriais, tomografia de crânio, coleta de líquido cefalorraquidiano, sendo excluídas causas infecto-metabólicas que justificassem tais alterações, corroborando a hipótese de SNM. O paciente foi tratado com benzodiazepínicos, hidratação endovenosa e encaminhado à leito de terapia intensiva para monitorização, inclusive com necessidade de vasodilatadores endovenosos para manejo pressórico, apresentando boa resposta. Durante sua internação, o mesmo fora acompanhado pela equipe de psiquiatria, que orientou reintrodução parcimoniosa de clozapina após estabilização do quadro orgânico, por ser uma droga considerada potencialmente segura e pela maior probabilidade de o quadro ter sido causado pelo haldol. Apesar disso, o paciente não tolerou a progressão das doses, voltando a apresentar aumento de níveis pressóricos, episódios de taquicardia e hipertermia, sendo optado por suspensão de todas as medicações potencialmente causadoras do quadro e introdução de beta-bloqueador para controle dos sintomas adrenérgicos. Com a suspensão dos antipsicóticos, o paciente voltou a apresentar bons níveis pressóricos, normalização da frequência cardíaca e normalização da temperatura, com remissão do quadro de disautonomia, porém ainda apresentando sintomas de descompensação psiquiátrica, sendo encaminhado para hospital psiquiátrico para tratamento da esquizofrenia considerando a introdução de terapias alternativas para o paciente, como a eletroconvulsoterapia.
Conclusões
O manejo dos pacientes com SNM é baseado em terapia de suporte. Quando as manifestações são graves, é necessário monitoramento em unidade de terapia intensiva. Algumas complicações graves da SNM incluem arritmias cardíacas, desidratação, insuficiência renal aguda, distúrbios hidroeletrolíticos, infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial sistêmica, entre outras. A remoção do agente causador é considerada o tratamento mais importante. Alguns medicamentos específicos podem ser usados, como agentes colinérgicos (bromocriptina e amantadina), bloqueador neuromuscular (dantrolene) e benzodiazepínicos. Várias medicações têm sido utilizadas para controle das disfunções autonômicas. Pacientes com pressão arterial acentuadamente elevada podem ter benefícios com algumas medicações. A clonidina, ao agir em receptores adrenérgicos alfa-2 no sistema nervoso central, atua na diminuição da pressão arterial, produz sedação e diminui a atividade motora espontânea, podendo ser eficaz nesse cenário.
O presente estudo é de suma importância visto que a SNM é uma condição rara (0,01 à 0,02%) com elevada mortalidade quando não diagnosticada, pois para manejo adequado do quadro torna-se mandatório a suspensão do agente causador. Os antipsicóticos atípicos são considerados agentes potencialmente seguros, mas devem ser lembrados como etiologia do quadro, de forma mais rara. A mortalidade na síndrome está relacionada à disfunção do sistema nervoso autônomo, que pode gerar manifestações orgânicas graves, como a hipertensão arterial estágio 3 apresentada pelo paciente, cursando com risco aumentado de lesão de órgão alvo, podendo, em casos semelhantes, ser necessário uso de anti-hipertensivos endovenosos e manejo em leito de terapia intensiva.
Referências:
Souza RA, Silva MA, Coelho DM. Síndrome Neuroléptica Maligna. Revista Brasileira de Clínica Médica. 2012;10(5):440-44
Campos Júnior, R., Colombari, E., Cravo, S.,& Lopes, O. U. (2001). Hipertensão arterial: o que tem a dizer o sistema nervoso. Revista Brasileira de Hipertensão, 8(1), 41-54
Moscovich M, Nóvak F, Fernandes A. Neuroleptic Malignant Syndrome. Archive of Neuropsychiatry. 2011;69(5):751-755
Gurrera RJ, Chang SS, Romero JA. A comparison of diagnostic criteria for neuroleptic malignant syndrome. J Clin Psychiatry. 1992 Feb;53(2):56-62. PMID: 1347292
Kaplan H, Sadock B. Síndrome Neuroléptica Maligna. 6th ed. Tratado de psiquiatria: Artmed; 1999. 2 vol.
Área
Clínica Médica
Categoria
Relato de caso
Autores
Thainá Perassolo Martinez, Guilherme Martins Tahan, Rafaela Geroza Coelho Goiato, Patricia Silva De Marco